ASSUNTOS ABORDADOS NESTA APOSTILA:
O Pecado: Reflexão Teológica
Introdução
A Doutrina do Pecado
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
2. A ORIGEM DO PECADO
3. DEFINIÇÃO DO PECADO
4. PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO PECADO
5. A UNIVERSALIDADE DO PECADO
6. A CONSEQUÊNCIA DA QUEDA QUANTO A ADÃO FOI A MORTE
7. IMPUTAÇÃO DO PECADO DE ADÃO À POSTERIDADE
8. CONSEQUÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO QUANTO À SUA POSTERIDADE
9. CONSEQUÊNCIAS DA QUEDA DE ADÃO QUANTO AO MUNDO EM GERAL
10.A DEPRAVAÇÃO TOTAL
11.O PECADO ATUAL
12.A CLASSIFICAÇÃO DOS PECADOS
12.As Dimensões do Pecado
13.O PECADO: ALIENAÇÃO DE DEUS
14.O PECADO: ALIENAÇÃO DO IRMÃO
15.O PECADO: ALIENAÇÃO DA NATUREZA
16.O PECADO: ALIENAÇÃO DO HOMEM CONSIGO MESMO
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
2. A ORIGEM DO PECADO
3. DEFINIÇÃO DO PECADO
4. PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO PECADO
5. A UNIVERSALIDADE DO PECADO
6. A CONSEQUÊNCIA DA QUEDA QUANTO A ADÃO FOI A MORTE
7. IMPUTAÇÃO DO PECADO DE ADÃO À POSTERIDADE
8. CONSEQUÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO QUANTO À SUA POSTERIDADE
9. CONSEQUÊNCIAS DA QUEDA DE ADÃO QUANTO AO MUNDO EM GERAL
10.A DEPRAVAÇÃO TOTAL
11.O PECADO ATUAL
12.A CLASSIFICAÇÃO DOS PECADOS
12.As Dimensões do Pecado
13.O PECADO: ALIENAÇÃO DE DEUS
14.O PECADO: ALIENAÇÃO DO IRMÃO
15.O PECADO: ALIENAÇÃO DA NATUREZA
16.O PECADO: ALIENAÇÃO DO HOMEM CONSIGO MESMO
O Pecado: Reflexão Teológica
"Creio que o cristianismo ortodoxo representou um profundo discernimento de todo problema humano. Creio que a dificuldade humana básica é essa perversão da vontade, esse abuso cometido contra a confiança divina, e que se chama pecado: e creio que o pecado é em um sentido uma enfermidade racial, transmissível de geração a geração."
Introdução
No grego hamartia (hamartiologia = doutrina do pecado). Significa: errar o alvo, fracassar. Logo Hamartiologia significa estudo do pecado, ciência do pecado. É também uma matéria da teologia sistemática, onde se estuda a origem,consequências, consumação e ação do pecado.
Temos uma evidência direta do pecado, visto que cada um de nós é um pecador.
Temos os ensinos da revelação, parte da qual já consideramos. Poderia parecer que a coisa mais simples fosse elaborar teologicamente estes dados objetivos. Não obstante, nada tem sido tão debatido na história da teologia como o problema do pecado. Alguém disse que é a única doutrina cristã que tem uma evidência empírica. Enquanto Deus não pode ser visto e o céu só antecipamos pela fé, ninguém nega a realidade do pecado, porque sua presença em nosso mundo é farta e evidente. Não obstante, os teólogos não se entendem em muitas coisas concernentes a esta tremenda realidade humana.
Que pretendemos fazer? Simplesmente ver algumas destas questões procurando
entendê-las, reconhecendo que nenhuma delas é inteiramente teórica, mas que, em parte,
refletem suas soluções em experiências pessoais do teólogo. Não podemos tentar provar
agora o que acabamos de dizer, mas talvez um exemplo nos ajude a entender. Uma
controvérsia sobre o pecado que, todavia, tem hoje seus reflexos é a que sustentaram Santo Agostinho e Pelágio. Muitos historiadores têm dito que a posição de um e outro se explica pelas experiências pessoais de cada um. Santo Agostinho, antes de sua conversão, viveu uma vida de dissipação, como ele mesmo relata em suas Confissões. Pelágio, quando chegou a Roma, cerca do ano 400 d.C., alcançou renome pela sua grande erudição e sua seriedade moral. Cada um interpretou o problema do pecado a partir de sua própria experiência. Com isto não queremos dizer que as coisas sejam como cada um de nós as vivemos, mas sim que as diferentes doutrinas não são produto do capricho daqueles que as sustentaram, senão de experiências que os levaram a suas idéias, por mais equivocadas que nos possam parecer. Começamos, sem mais delonga, com estes temas teológicos, introduzindo-os com um resumo das teorias filosóficas que os homens têm sustentado sobre o pecado e sobre o problema mais amplo do mal, em todas as suas manifestações.
A Doutrina do Pecado
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Nenhuma doutrina há mais importante para o crente do que a do pecado. É verdade
que as doutrinas fundamentais do cristianismo se relacionam intimamente; porém a do
pecado é uma daquelas cujo conhecimento se impõe como grande necessidade. A boa
compreensão desta doutrina derrama muita luz sobre as demais. Ela influi sobre todas as
outras, tais como a doutrina de Deus, a doutrina do homem, a doutrina da salvação, eassim
por diante. A idéia que temos do pecado determina, mais ou menos, a nossa idéia da salvação. Errar, portanto, na doutrina do pecado, é errar também na da salvação. Um exemplo: Pessoas há que julgam que o pecado é devido ao meio em que o homem vive; logo, melhorando o meio, o pecado desaparecerá. Se assim fosse, os homens não necessitarão de um salvador, mas de um benfeitor. Dinheiro e boa vontade poderiam salvar a humanidade, neste caso. Sabemos, porém, que não é assim, porque infelizmente os ricos não são, em geral, os santos da terra. Outras há que julgam que o pecado é oriundo da ignorância. Os homens pecam, dizem, porque não conhecem coisa melhor. Ora, se assim fora, a educação seria a salvação da raça; o combate ao analfabetismo seria a melhor pregação do evangelho; e naturalmente os homens mais instruídos e mais cultos seriam os mais santos. Sabemos que essa idéia também não é verdadeira. Os que assim pensam estão longe da verdade. Todos pecaram não só contra Deus, mas também contra a luz.
Entre outros exemplos, salientamos apenas estes dois, de idéias errôneas sobre a
doutrina do pecado, no intuito de demonstrar como tais idéias e outras semelhantes influem
fortemente sobre a doutrina da salvação. E mister que estudemos bem o que as Escrituras nos ensinam sobre este assunto, porque a doutrina que se encontra na Bíblia não só faz justiça a Deus como também deixa ao pecador uma firme esperança de salvação. Consideremos, agora, em primeiro lugar, a origem do pecado.
2. A ORIGEM DO PECADO
Ensina-nos a Bíblia que o homem foi feito à imagem de Deus; «E criou Deus o
homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou» (Gênesis 1:27). Esta semelhança do homem com Deus tem duas significações, a saber, natural e moral.
2.1. Entende-se por semelhança natural que o homem foi criado com os mesmos
poderes pessoais que constituem a personalidade de Deus, Isto é, ele é pessoa como Deus é pessoa.
Há, porém, uma diferença aí, que Deus é uma Pessoa divina, ao passo que o homem o é humana. Os poderes que constituem estas pessoas são: o poder, de pensar, o de querer, o de amar, o de conhecer-se a si mesmo e o de dirigir-se a si mesmo. Por isso, quando se fala na semelhança" natural que há entre o homem e Deus, afirma-se que o homem tem os mesmos poderes que constituem a personalidade de Deus. Deus é Espirito ou Pessoa Infinita; o homem é espírito ou pessoa humana finita. Esta semelhança o homem não a perdeu na queda, e já podemos dizer que, neste ponto, ele ainda e semelhante a Deus.
Por isso é que estamos diante deste problema da origem do pecado. Como é que o
pecado se originou num ser criado natural e moralmente semelhante a Deus? Como foi que as raízes da planta deixaram de procurar o solo e a haste o sol? Não podemos explicar a origem do pecado. É como se uma criança abandonasse os pais e fosse viver em companhia de um homem perverso. A Bíblia ensina que o homem deixou entrar o pecado neste mundo. Ele abusou tanto de sua liberdade como dos seus poderes pessoais: escolheu o mal e rejeitou o bem. Segundo as condições em que foi criado, era de esperar-se que o homem escolhesse o bem. Toda a tendência era esta, era a coisa mais natural. Mas, ao revés disto, o homem, com grande e geral desapontamento, fez a pior escolha que poderia imaginar-se. E isto depois mesmo de Deus o haver aconselhado a que escolhesse o bem. Deus fez o máximo que lhe era possível fazer no sentido de garantir o bom êxito da escolha que esse ser livre teria de fazer. Não obstante, o homem escolheu, livre e voluntariamente, o mal. E daí, dessa escolha livre e deliberada, originou-se o pecado. «Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram» (Romanos 5:12). «Porque, se pela ofensa de um só, a morte reinou por esse um, muito mais os que recebem abundância da graça, e do dom da justiça, reinarão em vida por um só, que é Jesus Cristo» (Romanos 5:17). «Porque, como pela desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos
justos» (Romanos 5:19).
3. DEFINIÇÃO DO PECADO
Não se pode incluir numa definição tudo quanto se pode dizer sobre o pecado. O ato, porém, de definir alguma coisa é sempre um auxílio para a sua compreensão. E, ainda
mais, se a definição for feliz, servirá de orientação nos estudos que seguirem. Convém,
portanto, que tentemos definir, logo de princípio, o pecado. Pecado, no sentido mais lato do termo, é um estado mau da alma ou da personalidade; é errar o alvo. Por causa deste estado mau o homem desobedece às leis de Deus. Quando definimos o pecado como o estado mau da alma, incluímos nessa definição os resultados deste estado, isto é, os atos pecaminosos. Mas não devemos confundir os atos pecaminosos, que representam a manifestação desse estado, com o próprio estado. O fruto não é a árvore. Os sintomas não são a enfermidade. O fruto é a manifestação da vida da árvore. Os sintomas são a expressão da natureza da enfermidade. Também os pecados não são outra coisa senão as manifestações do pecado. O pecado é pai dos pecados. havendo a concupiscência concebido, pare o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte. Não erreis, meus amados irmãos» (Tiago 1:15, 16). A Bíblia descreve o pecado como sendo morte: morte do corpo e do espírito.Devemos viver, nos mover e existir em Deus. Mas o pecado nos separa de Deus. O pecado desarraiga-nos do meio em que devemos viver. O pecado converte a luz em trevas, o gozo em tristeza, o céu em inferno, a vida em morte. O pecado é o maior e o mais terrível inimigo da alma humana. Ele destrói as promessas, mata as esperanças, dá-nos serpentes, em vez de peixes, pedra, em lugar de pão, tormento, em lugar de prazer. O pecado sempre destrói e nunca edifica. Promete, mas nunca cumpre a promessa. É como diz a Bíblia: «O salário do pecado é a morte» (Romanos 6:23). Um camponês encontrou, em manhã de inverno, uma cobra enregelada pelo frio. Apanhou-a, acolheu-a no seio para aquecê-la. Quando ela recobrou ânimo e pôde mexer-se, picou o camponês e o matou. Eis aqui uma figura fiel e verdadeira do pecado. Se o prezado leitor desejar uma exposição fiel, embora tremenda, do pecado, leia Romanos 1:16-32 .
4. PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO PECADO
Por princípio fundamental entende-se aquilo de onde se originou o pecado, a sua
razão de ser. Principio quer dizer princípio mesmo. Queremos, pois, descobrir onde nasce o
pecado, isto é, a fonte de onde é oriundo, qual o princípio por que o pecado opera e existe em,nossa vida. Acabamos de discutir a definição do pecado. Segundo nossa definição, o pecado é primeiramente um estado mau da alma. E este estado mau se manifesta por meio de atos pecaminosos. Queremos agora indagar qual é o princípio deste estado mau da alma. Qual é a essência desse estado? Esse estado mau da alma é, essencialmente, um estado egoístico. O apóstolo Paulo, referindo-se a esse estado mau da alma, chamou-lhe carnal, em contraste com estado espiritual. O principio fundamental do pecado é o egoísmo. Encontram-se na natureza muitas ilustrações que nos podem tornar mais claro este princípio egoístico, que é fundamental no pecado. Uma delas é o Mar Morto, na Palestina. Como podemos ver pelo mapa, o mar da Galiléia está acima do Mar Morto. Recebe as águas de diversos rios e as envia ao Mar Morto por intermédio do rio Jordão. Ora, o resultado disso é que o mar da Galiléia é cheio de vida. Suas águas piscosas atraem para as suas margens muitos habitantes, que ali vivem alegres e felizes. É, de fato, um centro de vida o mar da Galiléia. O Mar Morto, pelo contrário, recebe todas essas águas e as conserva em si mesmo. Recebe tudo e não retribui com nada. E o resultado? Nas suas águas não há peixes. Suas margens são tudo tristeza e desolação. Dizem que até os pássaros não voam por cima do lago, senão em grande altura, em razão dos miasmas que de lá se desprendem. O princípio que rege o Mar Morto é o do egoísmo, isto é, ele quer tudo para si e tudo o que recebe guarda. Este princípio conduz à morte.
O egoísmo é a raiz de todo pecado. Amor-próprio constitui a essência desse estado
mau da alma. Precisamos compreender o alcance desse princípio. Precisamos reconhecer que o seu fruto é sempre a morte. Não consiste apenas num ato pecaminoso, e muitas vezes não vemos a relação íntima que há entre a morte e um ato pecaminoso. Porém, quando se encara a questão do ponto de vista do pecado, vê-se logo que a morte é um resultado inevitável do mesmo. O egoísmo puro está cheio de sementes da morte, e quem semeia o egoísmo certamente ceifará a morte. O princípio fundamental do pecado, então, é o egoísmo, é o querer tudo para si, e receber e guardar para si só. Onde este princípio é obedecido não há vida, e, sim, morte. O ego não deve ser o centro da vida. A vida consiste em respirar, isto é, absorver e expelir o ar ao mesmo tempo. Ninguém pode viver só absorvendo o ar, e nem tampouco expelindo-o. É um duplo processo. O pecado, porém, baseia-se no princípio de absorver somente e o resultado não pode ser outro senão a morte. O pecado de Adão teve origem no egoísmo: ele quis ser igual a Deus e para isto
comeu, aconselhado por Satanás, do fruto proibido desde então o gênero humano tem sido
vítima do egoísmo. O egoísmo é o coração do pecado. A criança é egoísta. O menino, em seus primeiros anos, quer tudo para si porque é egoísta por natureza. Destes fatos concluímos que o egoísmo é universal. Sendo o egoísmo a origem de todo pecado, é também a origem de todos os males.Todas as grandes guerras, todas as contendas, as intrigas, as calúnias, o roubo, o homicídio, as deturpações, as violências, tudo quanto é mau e ruim originou-se no egoísmo. E, como já vimos no parágrafo precedente, o egoísmo é universal, o pecado é universal e o mal é também universal. Por isso a humanidade inteira geme com dores e tristezas. «Porque sabemos que toda a criação juntamente geme e está com dores de parto até agora. E não só ela, porém nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo» (Romanos 8:22, 23).
5. A UNIVERSALIDADE DO PECADO
5.1. Mostramos já que o pecado é um estado mau da alma e que o princípio
fundamental desse estado mau é o egoísmo.
Desejamos agora mostrar que esse estado mau é universal, isto é, que todos nascem neste estado mau da alma, tendo o egoísmo como parte componente e imperiosa na sua natureza. Jesus Cristo foi a única pessoa que nasceu fora desse estado e livre desse princípio fundamental. Todos quantos nascem hoje já nascem debaixo desse principio, e por isso mesmo condenados à morte, se não forem salvos pela graça de Deus. Todos nascem mortos espiritualmente e precisam ser ressuscitados, ressuscitados com Cristo, como diz o apóstolo Paulo: «Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente, e nos fez assentar juntamente nos céus, em Cristo Jesus» (Ef. 2:5).
5.2.As escrituras que ensinam a universalidade do pecado podem dividir-se em
duas classes, a saber:
5.2.1. As que ensinam que cada pessoa, em chegando à idade de responsabilidade,
pratica atos contrários à vontade de Deus.
«E não entres em juízo com teu servo, porque à tua vista não se achará justo nenhum vivente» (Salmos 143:2). «Pois se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos...» (Lucas 11:13). «Como está escrito: «Não há justo, nem ainda um» (Romanos 3:10). «Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós» (I João 1,:8).
5.2.2. As passagens que ensinam que esses atos são manifestações do pecado.
«Porque não há boa árvore que dê mau fruto, nem má árvore que dê bom fruto. Porque cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto; pois não se colhem figos dos espinheiros, nem se, vindimam uvas dos abrolhos» (Lucas 6:43-45). «Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? pois do que há em abundância no coração fala a boca» (Mateus 12:34). «Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe. Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto me fazes saber a sabedoria. Purifica-me com hissope, e ficarei puro: lava-me, e ficarei mais branco do que a neve» (Salmos 51:5-7). Além das passagens citadas, há mais duas classes de passos bíblicos que abonam fortemente a idéia da universalidade do pecado, os que ensinam a necessidade de uma salvação universal, e os que mostram a condenação de todo aquele que não crê em Jesus Cristo. Muitas são as passagens que ensinam a necessidade de uma salvação universal. Entre elas citaremos algumas: «Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado» (Marcos 16:16). «E Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus» (João 3:3). «Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna» (João 3:16). (Examinem-se as seguintes passagens: João 3:5, Atos 4:12 e 17:30.)
Das passagens que mostram a condenação de todo aquele que não crê em Jesus
Cristo e assim ensinam a universalidade do pecado, citaremos as seguintes: «Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado; porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus» (João 3:18). «Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; porém aquele que não crê no Filho não verá a vida; mas a ira de Deus sobre ele permanece» (João 3:36). «Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo jaz no maligno» (I João 5:19). Já vimos que a origem do pecado acha-se num ato voluntário do homem. Também achamos que este ato praticado por Adão era a expressão do estado mau da sua alma. A queda não consiste tanto num ato como num estado, e deste estado proveio o ato ou a desobediência. Adão escolheu a sua própria vontade, em vez da vontade de Deus. Ele fez de si mesmo, quando devera ter feito de Deus, o centro de sua vida. E morte é a conseqüência natural de tal princípio.
5.3. Consideremos agora algumas dificuldades em relação à queda
Porque ela não deixa de ter também as suas dificuldades e os seus problemas, que surgem freqüentemente na vida prática do pregador e do obreiro cristão.
Vale a pena, pois, considerarmos ligeiramente algumas dificuldades que se nos deparam no estudo da queda do homem.
5.3.1. A primeira dificuldade que vamos considerar é a seguinte:
Como é que um ser criado nas condições de Adão poderia cair? A Bíblia ensina que o homem foi criado bom, todas as suas tendências eram para o bem, todas as inclinações da sua alma eram para Deus. No Éden, Adão relacionava-se com Deus tal como a criancinha se relaciona com seus pais. Era natural, pois, que seguisse exclusivamente a vontade de Deus. Por outro lado, porém, sabemos também que ele foi criado com livre arbítrio, e tinha que opinar e decidir entre a sua própria vontade e a de Deus. Nessa situação é que o tentador veio a Adão. Era de esperar-se que Adão, sendo tentado, resistisse à tentação, a julgar pelas condições favoráveis em que fora criado. Mas tal não aconteceu. Aqui está a dificuldade: Como teve a tentação guarida na alma de Adão, e o poder de vencê-lo? Como é que Adão deixou-se atrair pela tentação do diabo? Não podemos explicar. A Bíblia não nos ensina a maneira por que o diabo conseguiu induzir o homem a desobedecer a Deus; o que ela faz é simplesmente relatar o fato, sem oferecer sugestão ou explicação alguma desta dificuldade. Uma verdade, porém, é clara, que Deus não tem culpa nenhuma da queda do homem. Além de criar o homem bom. Deus ensinou-lhe como devia proceder. O homem desobedeceu, contudo, a Deus e caiu. Embora não possamos explicar como foi que a tentação achou meios de vencer a Adão, temos a plena certeza de que Deus está livre da responsabilidade deste infeliz acontecimento, e nem sequer uma sugestão de culpa existe nele. Prevalecendo-se o homem da liberdade de que fora dotado, desprezou os sábios conselhos divinos e quis tornar-se igual a Deus. Caiu, e na queda perdeu a semelhança moral que tinha com Deus. Sem tentarmos uma explicação da queda, afirmamos simplesmente que só o homem é culpado e que em Deus não há a menor sombra de culpa. Se uma menina inocente, filha de pais crentes, criada no meio de uma atmosfera puramente evangélica, abandonasse seus pais e fosse viver com um vagabundo da rua, como se explicaria tal procedimento? Mas foi isto que Adão fez.
5.3.2. A segunda dificuldade que se nos depara é:
Como foi que Deus permitiu que Satanás tentasse o homem? Já aprendemos que Deus governa tudo. Tudo está debaixo do seu domínio, inclusive o próprio Satanás. «E disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo quanto tem está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor» (Jó 1:12). Assim sendo, como foi que Deus permitiu que Satanás tentasse a Adão? façamos algumas considerações em torno deste ponto.
a) Até nesta permissão vemos uma providência de Deus. Quando Deus permitiu a
Satanás tentar a Adão não permaneceu indiferente ao resultado. Nesta permissão manifesta se ainda a misericórdia divina. Quem tentou a Satanás? Ele caiu sem nenhuma tentação de ora, pelo que se tornou mesmo Satanás. Perdeu toda a esperança de salvação. Nenhuma atenuante há na sua queda. E se ele caiu sem tentação, podia também da mesma maneira ter caído o homem, porque foi criado um ser livre, como o era o diabo antes da queda. E, se o homem houvesse caído sem tentação de fora, a sua condição teria sido desesperadora, nenhuma esperança de salvação lhe restaria. Temos, portanto, na permissão que foi dada a Satanás de tentar o homem, um dos atos de misericórdia de Deus.
b) A segunda observação que desejamos fazer acerca deste problema é que o homem
tinha que adquirir para si a justiça original, que lhe foi dada por Deus no ato da criação. A
justiça que o homem tinha quando Deus o criou era uma justiça emprestada. Não era
propriamente do homem, porque ele ainda não havia feito uma escolha entre o bem e o mal. Porém era mister que a escolha fosse feita. Eis aqui mais uma razão por que Deus permitiu que Satanás tentasse o homem. Esta tentação, caso fosse vencida, daria ao homem a oportunidade de confirmar-se no estado em que foi criado. Ele podia fazer da justiça original uma justiça própria. Mas, ao invés disso, e em lugar de confirmar-se no estado em que fora criado, escolheu o mal, e caiu. Vemos aqui que o plano de Deus era sábio, porque apresentou ao homem a oportunidade de melhorar-se e tornar-se verdadeiramente santo e justo.
c) Ainda mais uma consideração devemos fazer em relação a permissão dada a
Satanás para tentar o homem. Por ser o homem livre, tinha, forçosamente, que haver
tentações. E, pelo plano de Deus, a primeira tentação veio, justamente, quando o homem
estava em melhores condições de escolher entre o bem e o mal. Como sabemos, quando ele foi criado, todas as suas tendências eram para Deus. Todas as circunstâncias lhe eram favoráveis a uma boa escolha. Tudo fazia crer que o homem abraçasse a Deus e adquirisse para si mesmo a justiça original. Não se podia imaginar uma oportunidade melhor para a raça firmar-se na justiça que a oportunidade dada por Deus a Adão. Mas infelizmente a raça em Adão não soube prevalecer-se dessa vantagem. Os que hoje decidem ao lado do bem lutam sempre com grande dificuldade. Graças a Deus, porém, há ainda possibilidade de o homem escolher o bem e rejeitar o mal.
5.3.3. Como podia ser dada a Adão pena tão grande por causa de uma só
desobediência?
As pessoas que levantam este problema não compreendem bem o mal que
Adão fez em escolher o mal. A pena dada por Deus não representa uma arbitrariedade, mas uma conseqüência justa do pecado cometido. Uma vez que compreendamos o que Adão fez, nenhuma dúvida mais teremos sobre a gravidade das conseqüências do pecado cometido por ele e sobre a justiça dos castigos impostos por Deus. Há, na pena, simplesmente a conseqüência lógica da ofensa. Deus nunca faz coisa alguma arbitrariamente. A razão do castigo acha-se na ofensa feita. Como já observamos, o ato praticado por Adão, aquela desobediência que perpetrou, era apenas uma manifestação do pecado já abrigado no coração. Na realidade, o homem já tinha caído quando praticou o primeiro ato de desobediência. E a pena está ligada não tanto com o ato praticado como com o estado do coração do homem que motivou o ato. Adão tinha que escolher entre a própria vontade e a vontade de Deus, entre a carne e o espirito, entre o egoísmo e o altruísmo, entre a morte e a vida. A sua decisão, portanto, haveria de trazer grandes conseqüências para ele próprio e para a posteridade humana. Adão tinha diante de si mesmo a tarefa de escolher o principio que haveria de dominar-lhe a vida. Havia diante de Adão dois caminhos: um para a glória, e outro para a perdição. Muito dependia então da decisão que ele tomasse. De certa maneira, sua decisão haveria de ser a única na sua vida, porque ela influenciaria poderosamente sobre as demais decisões que houvesse de tomar no futuro. A decisão de Adão, naquela ocasião, seria de molde a determinar até a sua vontade para o resto da vida. Decisão tal influencia a vida toda. Um exemplo frisante em abono deste asserto é a escolha feita por Jesus quando tentado por Satanás no deserto. Aquela decisão de Jesus influenciou-lhe todas as outras, durante a sua vida. Sua decisão naquela ocasião pode considerar-se a principal durante toda a vida do divino Mestre. Sem dúvida, Jesus tomou muitas outras decisões durante o tempo em que viveu na terra, mas aquela primeira é a principal e a que influenciou todas as outras.
O homem tem sempre diante de si dois caminhos a escolher: o do bem e o do mal.
Tem sempre duas vontades: a própria e a de Deus. Adão escolheu a vontade própria, em vez de escolher a de Deus. Fez uma escolha egoística, em vez de uma escolha altruística.Escolheu a morte, em vez da vida. Tudo quanto lhe aconteceu a ele próprio e a raça são conseqüências justíssimas da decisão que tomou no Éden. Nenhum homem pode escolher o princípio do egoísmo, e queixar-se depois dos resultados. Não pode escolher a morte, e queixar-se quando ela aproximar-se. Não pode escolher o caminho da perdição, e queixar-se por não chegar ao céu. Uma vez bem compreendida a decisão tomada por Adão quando foi tentado, a pena torna-se perfeitamente explicável.
6. A CONSEQUÊNCIA DA QUEDA QUANTO A ADÃO FOI A MORTE
A morte tem aqui duas significações: morte física e morte espiritual.
6.1. Morte Física
Esta é a separação do homem do seu corpo. Devido ao pecado, veio a morte física.
Com isto não queremos dizer que, se o homem não tivesse pecado, viveria sempre unido ao corpo. Diremos simplesmente que a separação entre o corpo e a alma não teria a feição
punitiva ou penal, como temos agora, devido ao pecado do homem. A morte física tal como a conhecemos, com todas as suas dores e tristezas, faz parte da pena do pecado. Não nos
interessa agora saber como o homem sairia deste mundo para o outro, se não houvesse
pecado; certamente não ficaríamos eternamente neste mundo. O que agora nos interessa é
saber que a morte física, tal como a conhecemos, é uma das conseqüências diretas da queda da raça.
6.2. Morte Espiritual
Morte espiritual é a separação entre a alma e Deus; faz parte da pena do pecado
também. Esta morte espiritual trouxe três resultados na vida do homem, a saber:
6.2.1. A perda da semelhança moral que o homem tinha com Deus.
vimos que o homem foi criado naturalmente e moralmente
semelhante a Deus. Na queda, o homem não perdeu a semelhança natural. Ele continuou a ser uma personalidade como era antes. Isto é, depois da queda, o homem deixou de ser
semelhante a Deus somente quanto ao seu caráter, quanto à sua moral.
6.2.2. Corrupção dos poderes do homem, outro resultado da queda.
Além de o homem perder a semelhança moral que tinha com Deus, todos os seus poderes se perverteram. Os pensamentos, os desejos, a vontade, tudo tornou-se corrompido. O homem arruinou o poder de direção própria, perdeu aquela comunhão íntima que tinha com Deus. Já não sentia a, presença de Deus consigo. Finalmente, todas as tendências da sua personalidade tornaram-se para o pecado. O homem tornou-se carnal.
6.3. A exclusão da presença de Deus
Esta foi outra conseqüência da queda quanto a Adão. Ao expulsar o homem do
jardim. Deus colocou um anjo à porta para que lhe impedisse a entrada. As conseqüências da queda, neste particular, são duas: a primeira, a morte tanto do corpo como do espírito; e a segunda, a exclusão da presença de Deus. Isto é. Deus já não andava com Adão no Éden, como fora no princípio. «E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia: escondeu-se Adão e sua mulher da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim» (Gênesis 3:8). Em conexão com esta passagem é de muito interesse ler-se Apocalipse 22:14, que diz: «Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas.»
7. IMPUTAÇÃO DO PECADO DE ADÃO À POSTERIDADE
7.1. A Bíblia ensina que, ao cair Adão, caiu com ele a raça inteira Temos em
Romanos 5:12 as seguintes palavras, que confirmam este asserto:
«Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram.» O que queremos investigar é a maneira por que os pecados de Adão passaram à sua posteridade. Isto é, temos que estudar a conexão entre o pecado de Adão e o pecado da raça.
Esta é uma das mais importantes questões para a teologia; o evangelho tem perdido
muito devido ao fato de nem todos reconhecerem a íntima relação entre o pecado de Adão e a raça. O que desejamos fazer aqui é simplesmente notar o que diz a Bíblia sobre a relação do pecado de Adão com a sua posteridade. Ensina-nos a Bíblia que a transgressão de Adão constituiu a todos os seus descendentes em pecadores, ou, ainda melhor, «pecadeiros». Em Romanos 5:19 temos a seguinte expressão, muito apropriada ao nosso assunto: «Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos.» No versículo 15 do mesmo capítulo lemos: «Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um, morreram muitos, muito mais, etc.» Na Carta aos Efésios 2:3 diz o apóstolo Paulo: «Entre os quais todos nós também dantes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também.» Depreende-se claramente das passagens citadas que há perfeita conexão entre o pecado de Adão e o da sua posteridade. Deus criou somente uma raça humana e Adão era o primeiro homem, e constituía, portanto, a raça naquela ocasião. Por isso, quando ele pecou e caiu, a raça caiu também com ele. Como já tivemos ocasião de observar, a queda consistiu em o homem decidir-se definitivamente pelo lado do mal, em escolher a natureza carnal, de maneira que a sua própria natureza ficou mudada. Por isso a queda começou a fazer parte da sua natureza moral, que passou, certamente, aos seus descendentes. Quando se fala da imputação do pecado à sua posteridade, quer-se simplesmente dizer que Deus reconhece o homem como responsável por uma coisa que realmente lhe cabe. Assim sendo, quando ele declarou que os homens estavam mortos pelas ofensas, não praticou uma arbitrariedade, mas simplesmente reconheceu um destes fatos, que têm a sua razão de ser na relação íntima entre Adão e a sua posteridade. Há quem interprete a imputação do pecado de Adão de maneira a insinuar que Deus é arbitrário nesta questão. Indica-se que Deus imputou o pecado de Adão sem que ele fosse culpado. Mas, uma vez bem compreendido o fato da unidade da raça e a natureza da queda, não restará nenhuma dificuldade a respeito da imputação do pecado de Adão à sua posteridade. Adão tornou-se pecador, e todos os seus descendentes, até hoje, nasceram e nascem pecadores. E Deus reconhece este fato e trata o homem como «pecadeiro», filho de «pecadeiro». Precisamos, porém, reconhecer a diferença entre o pecado pessoal e o pecado da raça. Podemos distinguir estas duas classes de pecados. A raça pecou uma só vez, isto é, na queda; e o indivíduo, muitas vezes. Pode chamar-se ao primeiro pecado cometido por Adão o pecado da raça. Os demais pecados por ele cometidos são considerados pecados pessoais. No primeiro pecado Adão caiu e a raça caiu com ele, e os demais pecados confirmaram o seu estado de decaído. Como sabemos, Adão era um indivíduo e no princípio era também raça; e por isso é que fazemos distinção entre o primeiro e os demais pecados cometidos por ele. O pecado da raça é nosso, mas o pecado pessoal de Adão não nos pertence e não participamos de sua culpa. E por isso que Deus nos imputa o pecado da raça e não os pecados pessoais de
Adão. Passemos agora à examinar algumas teorias a respeito da imputação do pecado de
Adão à posteridade.
7.2 A teoria de Armínio
Segundo esta teoria todas as pessoas nascem destituídas de Justiça original e,
portanto, estão expostas à morte. Por causa desta enfermidade da alma, propagada por Adão, ninguém tem capacidade de obedecer a Deus sem o auxílio seu. Quando a raça caiu, todos caíram com ela, de maneira que não há possibilidade do homem levantar-se, senão com o auxílio divino. Mas, segundo esta teoria o homem não é responsável por este estado mau de desobediência a Deus, isto é, os descendentes de Adão não têm culpa na sua queda, porém, mesmo sem culpa, herdaram esta incapacidade de obedecer a Deus. Por isso Deus deve a cada indivíduo, em nome da justiça, uma influência especial do Espírito Santo, de modo que o homem possa vencer essa incapacidade de obedecer-lhe. Ensina esta teoria que o indivíduo deve ter a mesma oportunidade que teve Adão, de decidir-se ao lado de Deus. Porém, por causa da queda, o homem não tem a mesma oportunidade que Adão teve. Os seus descendentes têm que lutar com as desvantagens herdadas do próprio Adão. O indivíduo não tem culpa disso, portanto, deve receber de Deus uma influência que anule esta desvantagem. Já se vê que, conforme os ensinamentos desta teoria, o pecado da raça não envolve culpa. Não há, pois, razão alguma de o homem estar condenado, antes mesmo de praticar o
mal. Assim sendo, Deus imputa o pecado de Adão ao homem só quando ele voluntariamente peca contra a Sua vontade. Apresentaremos aqui algumas considerações no tocante a esta teoria:
7.2.1. Admitimos que há uma dádiva universal do Espírito Santo.
Entendemos que esta dádiva universal é uma luz natural da razão e da consciência dada por Deus a cada indivíduo. Não admitimos, porém, que haja uma dívida universal. Há dádiva, mas não há dívida. Deus fez o possível para que a raça não caísse. Deus não deve ao homem coisa alguma neste sentido. Diante da justiça pura e da razão só merecemos a condenação de Deus. Mas, ainda assim. Deus deu aos homens a luz que lhes pode servir de guia na vida. «Este era a luz verdadeira que alumia a todo homem que vem ao mundo» (João 1:9). Não admitimos que esta dádiva remova as desvantagens do pecado herdado de Adão. Não admitimos também que, sem esta dádiva, o homem não seria responsável por sua natureza corrompida. Como já observamos, Deus não deve ao homem coisa alguma, senão a condenação, porque a raça é condenável e está condenada por causa do seu pecado. Ademais, não admitimos que o indivíduo só no principio de sua vida moral se aproprie voluntariamente das tendências más da raça; ao revés disso, o homem já nasce sob o domínio dessas tendências más.
7.2.2. Esta teoria contradiz as Escrituras do seguinte modo:
a) Mantendo que o que a posteridade de Adão herdou dele não envolve culpa. No entanto, as Escrituras dizem: «Porque o salário do pecado é a morte» (Romanos 6:23). «Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram. Porque até a lei estava o pecado no mundo, porém o pecado não é imputado, não havendo lei. Mas a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura dAquele que havia de vir» (Romanos 5:12-14). «Quem crê nele não é condenado, mas quem não crê já está condenado...» (João 3:18).
b) Sustentando que Deus é obrigado a dar uma influência especial do Espírito Santo a fim
de que seja ele justo quando julgar o injusto. Mas a Ríblia diz: «Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie» (Efésios 2:8, 9).
c) Sustentando que o efeito da graça é para restaurar ao homem a capacidade natural de
obedecer a Deus. O efeito da graça não é colocar o homem nas condições de Adão antes de pecar, e sim, predispô-lo a usar destas capacidades morais depois de tê-las recebido de Deus, Este poder de obedecer a Deus é um dom de Deus. É o resultado da regeneração. E a graça vem sobretudo para predispor o homem a andar de acordo com a nova vida. O efeito da graça não é, então, restaurar no homem a justiça original, porque isto é obra do Espírito Santo. A graça tem por fim auxiliar-nos a andar como regenerados, uma vez que somos regenerados por Deus.
7.2.3. Esta teoria torna incerta a universalidade do pecado e a responsabilidade do homem
pelos seus próprios pecados.
Se o homem tem o poder de resistir à tentação, então o pecado
não tem que ser universal. Pode haver pessoas cuja vida seja pura e reta, e, diante disso, a
universalidade do pecado desaparece, e desaparece também a necessidade de um Salvador universal, porque, se o pecado não é universal, não o é também a salvação.
Por outro lado, se o pecado é universal e o homem não pode resistir à tentação, não é mais
responsável pelo seu próprio pecado. Segundo esta teoria, o que se herda de Adão não
envolve culpa. E ainda mais, ela ensina que Deus deve ao homem este poder de resistir ao mal. Se o homem, pois, não pode resistir ao mal, a culpa já não está com ele. Indubitavelmente não podemos aceitar estas duas conclusões, porque a Bíblia ensina com clareza que o pecado é universal e que cada indivíduo é responsável pelos seus próprios pecados.
7.3. A teoria congregacionalista
Esta teoria ensina que os homens nascem naturalmente corrompidos. E a prova disso é que ao chegarem à idade de discernir o bem e o mal, praticam atos contra a vontade de Deus. A esta natureza corrupta, que o homem herdou da raça, pode chamar-se pecado, porque conduz o homem ao pecado, mas realmente não o é. Pecado, segundo esta teoria, está no ato voluntário contra a lei e contra a pessoa de Deus. Segundo esta teoria, o que herdamos de Adão é apenas uma tendência para o pecado, uma tendência para a morte. Por isso Deus imputa ao homem somente os atos pecaminosos que o indivíduo pratique, e não o pecado de Adão quando este ainda representava a raça. Conforme acabamos de ver dos ensinos desta teoria, não herdamos de Adão o pecado nem a morte, visto que essa natureza corrompida e a morte física não são resultado, pena ou consequência do pecado de Adão. Esta coisas revelam apenas a ira de Deus contra a transgressão de Adão.
Façamos as seguintes considerações sobre esta teoria:
7.3.1. Ela contradiz as Escrituras das seguintes maneiras:
a) Sustentando que o pecado consta só do ato voluntário, e não dum estado mau da alma. O pecado é um ato mau praticado voluntária e conscientemente por uma pessoa, mas ao mesmo tempo é um estado mau da alma, que faz resultar este ato. Falando Jesus sobre este ponto, disse < Ou fazei a árvore boa, e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má, e o seu fruto mau, porque pelo seu fruto se conhece a árvore> ( Mt 12:33)
b) Sustentando que esta natureza corrompida faz parte da natureza humana como Deus a
criou, fazendo, destarte, a Deus responsável por esta natureza má do homem ou por esta sua tendência para o pecado. Segundo os ensinamentos da Bíblia, Deus criou o homem bom. Depois ele caiu, e é natural que tenhamos hoje o resultado dessa queda. Deus, por
conseguinte, não tem responsabilidade nenhuma pela natureza má que nos caracteriza.
c) Sustentando ainda que a morte física do homem não é consequência do pecado de Adão. Entretanto, o verso 12 do capitulo 5 de Romanos, já várias vezes citado nos parágrafos anteriores, fala mui claramente a este respeito, afirmando que a morte entrou no mundo pelo pecado, e pelo pecado passou a todos os homens.
7.3.2. Esta teoria impugna a justiça de Deus:
a) Em considerá-lo criador imediato da natureza corrompida do homem; porque, se o
homem não herdou esta natureza de Adão, logo a recebeu de Deus. E Deus não seria justo em castigar o homem por aquilo que o homem recebeu de Deus mesmo. Concluímos, pois, que esta teoria impugna a justiça de Deus, por isso que sustenta que ele criou o homem pecador.
b) Em sustentar que Deus manda sofrimento e morte sobre as criancinhas que nunca pecaram. Naturalmente quando se admite que não herdamos o pecado de Adão, já não resta explicação para as consequências naturais deste pecado na vida das criancinhas que ainda não chegaram à idade de responsabilidade própria. 7.4. A teoria de condenação por contrato Segundo esta teoria, Adão foi constituído por Deus o representante da raça. E este
representante da raça fez com Deus um contrato, nas seguintes condições: Se o homem fizesse o bem, receberia a vida eterna; porém, se fizesse o mal, Deus lhe daria a morte eterna. Sabemos que Adão não fez o bem, e daí Deus fez que cada um dos seus descendentes herdasse a natureza corrompida. Segundo esta teoria. Deus imputa imediatamente a culpa de Adão à posteridade. Esta teoria difere das outras em sustentar este ponto. As nossas objeções a esta teoria são as seguintes:
7.4.1. Deus não fez nenhum contrato com Adão. As Escrituras não fazem dele menção alguma.
7.4.2. Esta teoria contradiz as Escrituras, sustentando que Deus cria cada alma pecaminosa.
A relação entre Adão e a raça é mais íntima do que entre um representante e o representado. A relação que existe entre Adão e a posteridade é muito íntima e vital. A natureza corrompida que o homem tem hoje é uma herança dos seus antepassados, do próprio Adão.
7.5. A teoria de Agostinho
A teoria de Agostinho ensina que Deus imputa o pecado de Adão imediatamente, à sua
posteridade por causa da relação orgânica e vital entre Adão e os seus descendentes. Por
ocasião da queda, a raça era Adão e os seus descendentes. No ato livre de Adão, a vontade da raça revoltou-se contra Deus. A raça humana pecou e caiu, e o pecado de Adão era o pecado da raça. Deus reconhece-nos «pecadeiros», membros da mesma raça humana decaída, por se haver revoltado contra ele. A raça, que era a unidade no começo da sua existência, pecou e caiu, e, naturalmente, todos quantos dela descendem nascem com uma natureza corrompida, isto é, debaixo da condenação de Deus, porque toda a raça estava condenada. E, não obstante estarmos tão distantes de Adão quanto ao tempo, somos filhos dele tanto quanto o eram os seus primeiros filhos. Não há duas raças humanas, e, sim, uma só, que caiu, e da qual fazemos parte. Quando se diz, pois, que Deus imputa a nós o pecado de Adão, afirma-se que Deus reconhece a nossa íntima relação com Adão, assim como também reconhece o estado moral em que nos achamos. Esta teoria baseia-se nas Escrituras, e é, portanto, aceita pelos batistas. Há, porém, quem faça objeção a ela. Consideremos algumas destas objeções.
7.5.1. A primeira objeção é que não há pecado antes da idade de consciência própria; a pessoa precisa chegar ao estado de responsabilidade antes de poder pecar. A isto respondemos:
Pode não haver pecados pessoais antes do estado de consciência própria, sem ficar com isto provado que não existe em nós uma natureza corrupta ou o pecado de raça. As Escrituras afirmam que, quem quer que nasça, já nasce com uma natureza corrupta, e, mesmo antes de chegar ao estado de consciência própria, a criança revela esta verdade. «Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe» (Salmos 51:5).
7.5.2. Outra objeção que costumam apresentar é que o homem não pode ser
responsabilizado por uma natureza pecaminosa a que ele não deu origem por si mesmo.
Esta objeção despreza a unidade da raça. Entretanto, ninguém pode fugir à realidade de que faz parte da raça, cuja culpa se distribui entre todos os homens. «Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas: cada um se desviava pelo seu caminho; porém, o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós» (Isaias 53:6). Ainda mais, estas objeções contradizem as Escrituras, porque estas ensinam claramente a responsabilidade do indivíduo na queda da raça. A Bíblia reconhece que a raça é uma unidade. O pé não tem de queixar-se da morte se os pulmões são tuberculosos, fazendo eles parte do mesmo corpo; força é morrer com os outros membros.
7.5.3. A terceira objeção
é que o pecado de Adão não nos pode ser imputado, porque não podemos nos arrepender dele. Parece plausível a objeção, mas realmente não é. E, se bem que nada tenhamos com o pecado pessoal de Adão, se bem que em nada tenhamos que nos arrepender dos seus pecados pessoais, o pecado da raça é nosso, isto é, somos parte integrante da raça e podemos nos arrepender daquilo que nos toca. Podemos e precisamos rejeitar, pelo
arrependimento, os pecados dos nossos antepassados. É um repúdio necessário.
7.5.4. A quarta objeção é a seguinte:
se os pecados de Adão nos podem ser imputados, também o pode a justiça dos nossos pais. Isto é, se herdamos o mal da raça, podemos também herdar o bem dos nossos pais crentes. Porém isto não é uma conclusão necessária. A salvação é uma dádiva, é uma graça de Deus, e aquele que a recebe não pode transmiti-la a outrem. E, ainda mais, como a raça ainda se acha no estado em que caiu, como ainda não foi regenerada, todos os que dela descendem nascem com uma natureza corrupta. A raça toda ainda não foi regenerada, é ainda uma raça decaída. Somos mais que filhos dos nossos pais, somos filhos da raça também e herdamos o seu caráter. Herdamos dela o pecado, embora os nossos pais sejam crentes regenerados.
8. CONSEQUÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO QUANTO À SUA POSTERIDADE
Como resultado do pecado de Adão, todos os descendentes seus nascem no mesmo
estado em que ele caiu. Discutamos estas consequências sob quatro pontos de vista: 1° do
ponto de vista da depravação; 2.° da culpa; 3.° do pecado mortal; 4.° da pena.
8.1. Depravação.
Entende-se por depravação a falta de justiça original e uma tendência para o mal.
Esta depravação é total, segundo as Escrituras. Porém talvez fora melhor se distinguíssemos mais alguma coisa, além disto, a propósito da depravação. Façamos, portanto, mais algumas considerações.
8.1.1. Negativamente.
Depravação não quer dizer que a pessoa é completamente
destituída de algumas qualidades boas, que agradam não só ao homem como a Deus. Nem significa que o homem está completamente sem consciência e que pode praticar todo e qualquer mal. Por depravação não se deve entender que o indivíduo é um malvado, perverso e desalmado. E verdade que a tendência natural é para isto, mas há muitas influências que cercam o homem e lhe não permitem chegar a esse extremo.
8.1.2. Positivamente.
Considerada positivamente, esta depravação significa que o pecador está inteiramente destituído daquele amor para com Deus que deve caracterizar a vida de um homem. Significa que há alguma coisa neste mundo a que o homem dedica mais amor do que a Deus. Significa, ainda mais, que há certa antipatia na alma do homem natural
para com Deus. Por causa da depravação, o homem não se agrada das coisas espirituais. Todas as suas faculdades são corrompidas e consagradas mais ao mal do que ao bem. Não há, no homem natural, coisa alguma que seja totalmente agradável a Deus, pelo que a tendência da sua vida é de mal para pior. A Bíblia ensina que todos nascem nesse estado de depravação, e não só falta ao homem a justiça original e o amor para com Deus, mas também a tendência de sua alma é afastar-se cada vez mais de Deus e aproximar-se do mal. O homem natural nunca é tão ruim como pode ser, mas, realmente, é sempre ruim.
«E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra, e que toda a
imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente» (Gênesis 6:5).
A Culpa
8.2.1. A natureza da culpa.
Entende-se por culpa que o pecador não regenerado (ou o pecadeiro) merece a punição de Deus por causa da sua transgressão. Culpa é o resultado de um ato mau, e só o que pratica o mal pode ter culpa. Culpa é intransferível. Não se deve, porém, confundir culpa com castigo. O castigo provém da culpa, que, como já dissemos, é o resultado de um ato mau. A função do júri é estabelecer a culpabilidade ou a inocência de um indivíduo. A função do juiz é declarar o castigo, uma vez estabelecida a culpa do réu. Concluindo: a culpa é o resultado de um ato mau, serve de fundamento ou de razão ao castigo, é individual e intransferível, e só a pode ter quem comete o pecado.
8.2.2. Diferentes graus de culpa.
As Escrituras reconhecem a existência de diferentes graus de culpa. É verdade que a Bíblia não faz muita distinção neste sentido, porém há algumas diferenças, que bem faremos em considerar. Primeiramente, a Bíblia estabelece diferença entre a culpa do pecado original, isto é, o pecado que herdamos de Adão, e a culpa dos pecados pessoais. «Jesus, porém, disse: Deixai os meninos, e não os estorveis de vir a mim; porque de tais é o reino dos céus. E, tendo-lhes imposto as mãos, partiu dali» (Mateus 19:14). E, no verso 32 do capítulo 23, lemos o seguinte: «Enchei vós, pois, a medida de vossos pais. Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno?» Em Mateus 19:14, Jesus não nos ensina que as crianças já estão dentro do reino dos céus, porém que elas têm certos característicos semelhantes aos que os crentes têm. A Bíblia reconhece que a criança é por natureza pecaminosa, mas, aos olhos de Deus, não tanto como aqueles que pessoalmente e voluntariamente transgridem as leis divinas. Tanto a criança como o homem não regenerados são «pecadeiros»; mas o que tem mais culpa é aquele que por sua própria vontade peca mais. Também a Bíblia nos dá a entender que, se a criança morrer antes da idade de pecado pessoal, isto é, antes de possuir discernimento do bem e do mal, será salva pela graça de Deus mediante o sacrifício de Jesus Cristo. Mas já não é assim com aquele que peca voluntariamente; neste, o arrependimento e a fé são necessários para a salvação. Destas considerações depreendemos que a Bíblia reconhece diferentes graus de culpa. As Escrituras reconhecem também a diferença entre a culpa de pecados cometidos devido ignorância e os praticados à plena luz da consciência. Neste caso o grau de culpa corresponde ao grau de conhecimento que a pessoa tem. Devemos notar, porém, que tanto o pecado originado pela ignorância como o praticado em plena luz merecem castigo. Todo pecado, em essência, é o mesmo, e merece o castigo de Deus. Algumas passagens das Escrituras tornarão este ponto mais claro. «Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor para o país de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade» (Mateus 10:15). «O servo que soube a vontade do seu Senhor, e não se apercebeu, nem fez conforme à Sua vontade, será castigado com muitos açoites; mas o que a não soube, e fez coisas dignas de açoite, com poucos açoites será castigado. E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito se lhe pedirá» (Lucas 12:47, 48). «E dizia Jesus: Pai perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» (Lucas 23:34; veja-se também Romanos 1:32 e 2:12).
8.3. O pecado mortal
Não usamos aqui esta expressão no mesmo sentido em que a usa a Igreja Romana, quando distingue entre pecados mortais e veniais. Segundo os ensinos das Escrituras, o pecado imperdoável é o pecado cometido contra o Espírito Santo. «Portanto, eu vos digo: Todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens: porém a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada aos homens. E, se qualquer falar alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado, mas se algum falar contra o Espírito Santo não lhe será perdoado, nem neste mundo nem no futuro» (Mateus 12:31,32). «Qualquer, porém, que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca obterá perdão para sempre, mas será réu de eterno juízo» (Marcos 3:29). Sabemos que é o Espírito Santo que convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo, e, se o homem, blasfemando, disser que estas coisas se operam por instrumentalidade do espírito imundo, como poderá o Espirito Santo operar a regeneração da alma? É naturalmente impossível (João 16:8).
Jesus disse que o pecado contra o Espírito Santo não seria perdoado. Sobre o que seja o
pecado contra o Espirito Santo têm surgido muitas controvérsias teológicas. Julgam alguns
que o pecado contra o Espírito Santo não é o que se comete num só momento, mas na vida inteira, e que este pecado é o da incredulidade. Mas nós cremos que o pecado contra o Espírito Santo é aquele que o indivíduo pratica, depois de interessar-se na sua salvação, depois de tocado pelo Espírito Santo, tomando então a firme decisão de rejeitar todas as influências do Espírito Santo de uma vez para sempre, atribuindo-as não a Deus, mas ao diabo (Jesus se referiu a este pecado em Mateus 12.22-32). Ora, sendo o Espírito Santo que convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo, e se a pessoa considera a sua obra regeneradora obra de Belzebu, como poderá ele operar a regeneração de tal pessoa? Se o pecador não se deixa convencer pelo Espírito Santo, não há ninguém que possa fazer este trabalho. Por isso, quem rejeita o Espirito Santo e sua influência rejeita a salvação e torna-se impossível o seu perdão e a sua aceitação por parte de Deus.
8.4. Pena
Eis-nos chegados ao nosso quarto ponto. A pena é o castigo, as dores que o ímpio sofre em razão dos seus maus feitos. O pecado sempre traz os seus sofrimentos. A pena é inevitável. Este universo está organizado de maneira que a pena segue naturalmente a ofensa. A Bíblia diz, claramente, que toda alma que pecar morrerá. Mas não devemos nos esquecer de que este castigo tem sempre um elemento pessoal, isto é, Deus não deixa entregue exclusivamente às leis naturais a incumbência de castigar os transgressores. Ele mesmo declara que derramará a sua ira sobre os que lhe desobedecem. Nesta questão, não devemos desprezar a ação de Deus. Na pena, como em qualquer outra providência no universo, podemos ver o dedo de Deus. A Bíblia faz distinção entre a correção do crente e a reprovação do incrédulo. Temos, em Hebreus 12:6,7, as seguintes palavras:
«Porque o Senhor corrige ao que ama e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como a filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, logo sois bastardos, e não filhos.» A grande pena em relação ao pecado é a morte. A Bíblia toda, de começo a fim, ensina que a morte é o grande resultado, o fruto do pecado. Deus mesmo disse ao homem, antes que este pecasse, que não devia comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, porque no dia em que dela comesse, certamente morreria. O apóstolo Paulo, escrevendo aos romanos, ensina a mesma coisa: «Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram» (Romanos 5:12). O verso 14 deste mesmo capítulo mostra que esta morte inclui tanto o corpo como o espírito: «Mas a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir.» Como já tivemos ocasião de observar anteriormente, esta morte é dupla: tanto do corpo como do espírito.
9. CONSEQUÊNCIAS DA QUEDA DE ADÃO QUANTO AO MUNDO EM GERAL
As Escrituras reconhecem que o mundo todo sofreu uma grande mudança por causa
do pecado de Adão. Toda a criação sofreu, desde o homem até a própria terra. O terceiro
capítulo do livro de Gênesis traz alguns esclarecimentos neste sentido. «Então o Senhor
Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda besta, e mais que todos os animais do campo: sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida. E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar» (Gênesis 3:14, 15). Em Gênesis 3:16 vemos a mudança que houve quanto à conceição: «E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a
tua dor, e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.» Gênesis 3:17 e 18 trata da mudança operada na própria terra. «E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que ordenei,dizendo: Não comerás dela: maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos e cardos também te produzirá; e comerás a erva do campo.» Vemos, assim, que toda a criação sofreu as consequências malditas do pecado de Adão. Até os próprios animais transformaram-se em feras e tornaram--se inimigos uns dos outros. Quando Deus criou os animais, todos comiam ervas. «E todo animal da terra, e toda ave dos céus, e todo reptil da terra, em que há alma vivente; e toda a erva verde será para mantimento; e assim foi» (Gênesis 1:30). Deus não criou «bestas-feras». Esta expressão, encontrada no versículo 27 deste capítulo, significa simplesmente «animais do campo». O capítulo 11 de Isaias, vv. 5 a 9, dá-nos uma prova dessa mudança entre as criaturas por causa do pecado de Adão. O profeta, descrevendo o dia em que toda a criação será libertada do pecado, diz: «Porque a justiça será o cinto dos seus lombos, e a verdade o cinto dos seus rins. E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e obezerro, e o filho do leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, seus filhos se deitarão juntos, e o leão comerá palha com o boi. E brincará a criança de peito sobre o buraco do áspide, o já desmamado meterá a sua mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em nenhuma parte de todo o monte da minha santidade, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o fundo do mar.»
E muito interessante estudar Gênesis 3:15 em conexão com Isaias 11:8, porque nesses
dois versos temos figurada a grande transformação que Deus há de realizar um dia no
universo. Em cada um destes versos podemos ver o grande plano de salvação que se acha
em Cristo Jesus. Na primeira dessas passagens vemos a inimizade entre a serpente e a
semente da mulher; na segunda vemos a criança — semente da mulher — a brincar com a
serpente, sem que esta lhe cause dano algum. Toda esta transformação se realizará por
Cristo Jesus. Estudemos, pois, agora, a pessoa do grande Salvador da humanidade.
A Natureza do Mal Como disse Alan Richardson, o problema do mal "é um problema só para os que crêem em um Deus pessoal", visto que quem não crê em Deus aceita as coisas como elas se apresentam. O crente é que indaga: "Se Deus ama os homens como um pai ama seus filhos, e se ao mesmo tempo é onipotente, por que permite o sofrimento e outras formas de mal no mundo?" A resposta não é fácil, e para alguns pensadores a atitude de Deus diante do mal só pode ser compreendida à luz da cruz de Cristo. Mas algumas explicações têm sido dadas, e veremos algumas delas. A teoria do mal como negação do ser Só Deus é perfeito. Qualquer outra coisa que exista tem de ter certo grau de imperfeição que corresponda ao grau do ser. Quanto mais perfeição, mais realidade.
Deus é a realidade mais absoluta, o ser mais completo e de total perfeição. Por seu lado,
o mal, por ser a imperfeição total, é também a negação total de toda realidade. O mal,
em uma palavra, é a negação do ser. Entre estes dois extremos, o mal absoluto e a
perfeição absoluta, há gradações que são necessárias para chegar à perfeição absoluta e,
por isso mesmo, devem existir formas de imperfeição na criação.
É dentro deste sistema de pensamento que Berkhof coloca a solução que Leibnitz
dá em sua obra Teodicéia, com seu otimismo metafísico. Vivemos no melhor dos mundos
possíveis, visto que, se pudesse ter sido criado um mundo melhor, sem dúvida Deus o
teria feito. Este mundo, com todo o mal que é, com todas as imperfeições que tem, é o
melhor dos mundos possíveis e tem a quantidade mínima de mal. A crítica a este
mundo, o melhor mundo possível, foi feita por Voltaire em sua obra Cândido, que fará
rir vários leitores. Além da critica de Voltaire, entendemos também a de Richardson, quando disse: "Seria difícil consolar um pai afligido pela morte de um filho ou um inválido incurável, com a explicação dos graus do ser e a perfeição".
O dualismo metafísico Segundo esta explicação da presença do mal no mundo, há dois princípios igualmente externos que lutam no mundo: o princípio do bem e o principio do mal. Uma das variedades desta doutrina é o maniqueísmo, ao qual pertenceu Santo Agostinho antes de sua conversão. Como a matéria se identifica com o mal, os adeptos desta doutrina praticam um restrito ascetismo. Esta doutrina contradiz os dados da revelação, para a qual há um só princípio absoluto que é o bom, ou seja, Deus. O despotismo Ele é o despotes (déspota), no sentido que os gregos davam a esta palavra, isto é, "senhor", "dono". As coisas são como ele as dispõe, e não há nada que discutir sobre elas. Se recordamos o conteúdo do livro de Jó, veremos que não está isenta de respaldo bíblico esta maneira de considerar o problema. Quando Jó tenta discutir com Deus, este o confunde, dizendo-lhe: "Quem é este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento?" (Jó 38.2), e começa a falar da sabedoria com que dispôs todas as coisas na criação. É como se Deus tivesse dito a ]ó: "Deixe de lamentar-se e confie cegamente em mim". Tal soberania absoluta de Deus parece encontrar-se em passagens como Isaias 45.9; 64.8; Jeremias 18.6 e Romanos 9.20-24. Se a fé profunda em Deus não guia nosso pensamento, dificilmente aceitaremos esta teoria; mas esta fé, não encontramos,em Romanos 8.28? Teoria moral É a que sustenta que o mal é necessário para a perfeição moral do homem. Deus, ao criar o homem, “desejou criar seres que pudessem livremente escolher a verdade, a beleza e o bem, e sobretudo que pudessem corresponder ao amor tão prodigamente derramado sobre eles”. Para isto era necessário um mundo onde, para alcançar este fim, fosse possível existir a dor, o sofrimento
e o mal moral. Não podemos fazer aqui uma exposição pormenorizada desta doutrina, que
nos parece difícil de aceitar, sobretudo no que ela tem a ver com o mal moral, quer dizer, o
pecado. Como cristãos, aceitamos que permitiu o pecado porque de antemão havia resolvido sobre a redenção do pecador; mas, como disse Richardson, “somente o cristão pode compreender que Cristo explicou o mal e o próprio modo de derrotá-lo”.
O Pecado Original O significado do "pecado original" Começamos o tema com um esclarecimento sobre o significado da expressão "pecado original". Assinala-se, com esta expressão, a condição em que se encontram os homens, condição esta a que Paulo se refere com a expressão "vendido ao pecado". Os homens encontram-se vendidos ao pecado, como um escravo é vendido a um dono (Rm 7.14). Segundo Berkhof, chama-se "pecado original" por três razões: (1) deriva-se do tronco original da raça humana; (2) está presente na vida de cada pessoa desde seu nascimento, de modo que não pode ser atribuído ao meio; (3) é a raiz interna de todos os pecados atuais que mancham a vida dos homens. A primeira destas razões leva-nos ao relato da queda em Gênesis 3 que o Antigo
Testamento, em seus livros canônicos, não interpreta como razão dos pecados atuais
dos homens; mas encontramos esta interpretação na literatura apócrifa e no Novo
Testamento. Em Romanos 5.12 encontra-se, por exemplo: "Portanto, assim como por
um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a
morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram".
Neste texto o ponto-chave para a correta interpretação do pecado original está
nas últimas palavras: "porquanto todos pecaram". Paulo diz que todos pecaram em
Adão, ou que todos cometeram seus próprios pecados? A versão latina conhecida com
o nome de Vulgata traduz "porquanto" como in quo, que quer dizer "no qual" e cujo
sentido é claro: todos os homens pecaram com o pecado de Adão Os próprios
estudiosos católicos discutem esta tradução e estão de acordo em que é insustentável.
"A atual exegese, quase de uma forma geral (...) entende as palavras [gregas] eph'hô,
não como pronome relativo, mas como conjunção causal 'porque'. Então, não há
nenhuma relação entre o pecado de Adão e o pecado atual dos homens? Sustentá-lo
seria falsificar o pensamento paulino. Não podemos entrar aqui em uma ampla discussão sobre este ponto em particular, mas em duas citações, uma católica e outra protestante, podemos ver as conclusões finais. Esta é a citação de um católico: Todos os filhos de Adão participaram do pecado dos primeiros pais em uma forma misteriosa que Paulo não descreve nem aqui, nem em parte alguma. Também em Efésios 2.3 Paulo pensa, evidentemente, na condição pecadora de todos os homens que vêm do pecado de Adão:"(...) e éramos por natureza (fúsei) filhos da ira como também os outros".E esta outra é de Bonnet e Schroeder: Não há, pois nestas palavras, admiravelmente escolhidas, nem a doutrina agostiniana da imputação do pecado de Adão a seus descendentes, nem o erro dos pelagianos, que negam a origem histórica do mal e a solidariedade humana nele. Há o fato real da queda e a responsabilidade de cada um por seus próprios pecados.
Ambos dizem que os homens não pecam em Adão, mas sim que há uma relação entre o
pecado de Adão e o pecado atual dos homens. Vejamos algo mais sobre esta relação
"misteriosa" entre o pecado de Adão e o nossa.Teorias sobre o pecado original
1. As teorias agostiniana e federal. Conner as expôs esquematicamente, como segue:
A teoria agostiniana é a que diz que, em virtude de os homens estarem presentes em
Adão como semente, quer dizer, presentes na substância do seu ser, todos eles
participam do pecado de Adão, e que baseando-se nisto o pecado lhes foi imputado.
Eles são culpáveis, pois, do pecado de Adão, porque participaram dele."
A avaliação de Conner sobre esta idéia de Santo Agostinho é que ela é uma maneira
muito crua e materialista de pensar. "De nenhum modo é possível pensar que os
descendentes de Adão tenham estado presentes nele, de forma que se justifique a
imputação do pecado de Adão aos homens."
A teoria federal é a que afirma "que Deus fez um pacto com Adão cujos termos
estabeleceram que, sendo Adão obediente a Deus, seus descendentes teriam a vida
eterna; e no caso de desobediência, o pecado dele lhes seria imputado, e eles seriam
culpados e condenados". Conner cita a versão corrente de que esse suposto pacto entre
Adão e Deus não se originou no Éden, mas na Holanda, referindo-se à pátria do teólogo
autor dessa idéia, e afirma que uma imputação tal "seria o cúmulo da injustiça".
Mas não haverá alguma forma de explicar essa imputação, ou essa relação entre o
pecado de Adão e nós, que seja a base de nossa condenação e morte? Quanto a isto,
Conner é taxativo: "A idéia de que o pecado de Adão seja um ato de pecado que se
pudesse imputar aos seus descendentes e que eles, por causa desse pecado, sejam
culpáveis e, portanto, condenados, é uma idéia absurda demais para ser tomada a
serio". Todavia, o problema permanece: se não há imputação, há algum tipo de relação
estreita entre o pecado de Adão e o pecado de todos os homens. Qual é essa relação?
2. A unidade racial e a responsabilidade individual. Aqui estaria a explicação que se busca.
Citamos novamente Conner:
A doutrina do pecado original significa que o homem não é tão-somente um ser social,
mas também a raça [a que pertence] é uma unidade orgânica, a qual foi afetada pelo
pecado do primeiro homem, o cabeça da raça. Pela lei da geração natural, toda a raça
herdou os efeitos maus daquela primeira transgressão. Todos os homens nasceram em
um plano moral e espiritual inferior ao que teria sido caso Adão não tivesse pecado.
Esta má consequência do pecado foi transmitida tanto pela influência social como pela
herança natural. O pecado se propaga. Corrompeu todo o ambiente social da raça e
penetrou em toda a esfera da vida humana. Neste ponto, perguntamos: deve o homem forçosamente pecar? Esta "herança natural" e esta "influência social" de que fala Conner levam-me a mim, pessoalmente, a pecar? Neste caso, onde estaria a liberdade humana? Não é fácil responder. D. G. Bloesch contesta: "O pecado não é uma necessidade natural, mas sim uma inviabilidade histórica. O pecador pode evitar qualquer pecado particular, mas não pode escapar da mancha do pecado em todas as suas ações". Este autor afirma, prosseguindo em sua citação, que Kierkegaard afirmou ambas as coisas: o pecado original e a liberdade humana. H. R. Mackintosh comenta o pensamento de Kierkegaard: "Nós penetramos num contexto pecaminoso e a cada passo fazemos nascer o pecado de novo, visto que há no pecado uma combinação inescrutável de desejo consciente e de incapacidade de atuar de outra maneira".
10. A DEPRAVAÇÃO TOTAL
Esta doutrina da depravação total da espécie humana recebeu uma ênfase
particular nos dias da Reforma, em virtude do afã dos reformadores de atacar a
salvação pelas obras da Igreja Católica e afirmar o principio da salvação somente pela
graça de Deus. Bloesch menciona o pensamento de Calvino: "Estamos tão inteiramente controlados pelo poder do pecado, que toda a nossa mente, todo o nosso coração e todas as nossas ações estão sob sua influência". A idéia de Lutero é que o pecado de tal maneira permeou, penetrou no ser humano que este é incapaz de voltar-se para Deus por sua própria iniciativa; e cita as palavras de outro reformador que afirmou: "O pecado original está presente na totalidade do homem, alma e corpo: na alma, estritamente como sua própria essência; no corpo, como um instrumento através do qual atua a alma".20 Isto é o que se denomina "depravação total"; mas que queremos dizer com esta expressão? Os herdeiros da Reforma sentem-se na necessidade de explicá-la. Significado negativo da expressão
Berkhof o menciona como segue: A depravação total em seu aspecto negativo significa:
(1) não que cada homem haja chegado a toda a depravação de que é capaz;
(2) não que o pecador careça de conhecimento inato da vontade de Deus e de
consciência capaz de discernir entre o bem e o mal;
(3) não que o homem pecador seja incapaz de reconhecer e admirar as ações virtuosas
dos demais e também de ele próprio ser capaz de realizar boas ações em sua relação
com seus semelhantes;
(4) não que a vontade regenerada de cada homem tolere toda forma de pecado em
razão de sua pecaminosidade inerente. Isto mesmo, às vezes se expressa dizendo que o
homem não perdeu a "imagem de Deus" com que foi criado, mas que esta imagem está
somente obscurecida.
11. O PECADO ATUAL
O pecado atual se contrapõe ao pecado original e é o pecado que cada indivíduo
comete de maneira muito pessoal e intransferível. Os teólogos têm falado mais do
pecado original do que do pecado atual, mas a Bíblia tem mais que dizer do pecado
atual do que do pecado original. O pecado atual e concreto é também o que tem um
nome especifico: "a prostituição, a impureza, a lascívia, a idolatria, a feitiçaria, as
inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os partidos, as
invejas, as bebedices, as orgias e coisas semelhantes a estas" (Gl 5.19-21), e que podemos distinguir, ao menos em principio, do pecado singular, como lemos em João 8.34; 16.8; Romanos 5.12; 6.17,23. Talvez possamos compreender melhor isto partindo da definição de pecado, por exemplo, a de A. H. Strong: "Pecado é a falta de conformidade com a lei moral de Deus, seja manifesta por ato, disposição ou estado". O próprio Strong esclarece esta definição afirmando que tanto é uma violação da lei moral de Deus — quer dizer, um pecado — o ato externo e visível da transgressão, como a disposição ou o estado
íntimo do pecador. Berkhof também esclarece o assunto dizendo: "O pecado original é tanto um estado como uma qualidade inerente da corrupção do homem. Cada homem é culpado em Adão, e, por conseguinte, nasce com uma natureza depravada e corrupta. E esta corrupção interna é a fonte imunda dos pecados atuais", e um pouco adiante esclarece mais: "O pecado atual pode ser interior tal como uma consciente dúvida particular ou um perverso desígnio da mente, ou uma concupiscência consciente particular, ou desejo do coração; mas também pode ser exterior, por exemplo, a mentira, o furto, o adultério, o assassinato etc.".
12. A CLASSIFICAÇÃO DOS PECADOS
O catolicismo faz distinção entre pecado mortal e pecado venial. Segundo esta
posição, o pecado mortal seria aquele cometido voluntariamente em violação à lei de
Deus em coisas que sejam de fato importantes, e que o homem entenda perfeitamente; e
o pecado venial seria o pecado de quebra da lei de Deus em coisas que não são de grave
importância ou quando a transgressão é involuntária.
Não existe nenhum apoio na Bíblia para esta classificação. O que existe, e
devemos reconhecer, é que no Antigo Testamento há distinção entre os pecados
cometidos por errar, ou seja, sem querer, para os quais se ordenavam sacrifícios de
expiação (Nm 15.22-29); e os cometidos com temeridade, por desprezo à palavra do
Senhor. As pessoas que os cometiam deviam ser banidas do povo (Nm 15.30,31).
Quanto ao Novo Testamento, ensina que há graus de responsabilidade pelos
pecados, geralmente em consideração à luz que se tenha sobre o pecado especifico (Lc
12.47,48; Jo 9.41; ITm 1.13), mas todos os pecados tornam o homem culpado diante de
Deus, e não se podem tirar muitas conclusões à luz do que a Palavra de Deus ensina.
12. As Dimensões do Pecado
"O paraíso perdido não é simplesmente um estado de ilusória inocência antes do ato pecaminoso (como em Hegel e Tillich) nem uma utopia do passado (como em algumas correntes da velha ortodoxia), mas uma possibilidade não realizada que ficou fora do alcance do homem por causa do pecado." Donald G. Bloesch Um dos temas da teologia é o alcance que o pecado tem tido na vida do homem e que, como já vimos, tem-se expressado como depravação total. Voltamos ao tema, mas agora olhando pela perspectiva do homem como ser em relação. Já vimos que o homem, ser em relação, está aberto a Deus, ao seu próximo, à natureza e a si mesmo. Quando o pecado chegou à experiência humana, todas estas relações ficaram distorcidas por ele. O homem perdeu sua relação com Deus, perdeu a harmonia de suas relações humanas,perdeu sua consciência de uma natureza amiga e, como consequência de tudo isto, entrou em conflito consigo mesmo.
O paraíso, disse Bloesch, é a possibilidade não realizada e que afinal ficou fora do
alcance do homem por causa do pecado. De acordo com essa maneira de pensar, o
paraíso não está no final do caminho do homem, mas no começo dele. Pensemos que o
Jardim que Jeová plantou no Éden, e que se distingue de toda a terra circundante, é
como o modelo que Deus pôs para que o homem iniciasse a transformação de toda a
terra em um jardim. O trabalho do homem, o uso de todas as suas capacidades, estava
destinado a alcançar esta meta. Desta possibilidade não realizada, de todas as frustrações que sobrevieram ao homem por causa de seu pecado, é do que queremos falar agora. A idéia é que, tendo consciência de onde caímos (Ap 2.5) e do que resultou de nossa queda (Ef 2.12), apreciemos melhor o profundo sentido de nossa salvação. Sem a dignidade essencial do homem que lhe foi atribuída por ter sido criado à imagem de Deus, não podemos nos aprofundar na gravidade do pecado, e sem saber exatamente toda a miséria que o pecado acarretou ao homem, não podemos apreciar as inigualáveis ou "inescrutáveis
riquezas de Cristo" (Ef 3.8).
13. O PECADO: ALIENAÇÃO DE DEUS
O termo alienação goza em nosso ambiente de certo crédito em virtude de seu uso
na sociologia e na filosofia, onde, às vezes, parece ter um sentido de "despojo". O
homem alienado é aquele que foi despojado de algo que lhe pertence por direito
próprio, seja por exemplo o fruto de seu trabalho, seja seu lugar na sociedade. Aqui,
entretanto, queremos dar ao termo alienação o sentido particular de separação, como
oposto a familiar e íntimo. O homem alienado de Deus é o homem que repentinamente se
encontra longe de Deus, "alheio" a ele, separado dele. E o homem para o qual Deus
deixa de ser uma realidade cotidiana e familiar. Deus deixa de ser amigo para
transformar-se, não em um inimigo, mas num estranho. Este último termo é o que
precisamente escolheu Lacueva para expressar esta situação do pecador: "estranhamento
de Deus". No pecado, o homem, criado à "imagem e semelhança de Deus", sentese
como um estranho diante dele. E muitas vezes, para evitar a dolorosa sensação de
orfandade que tal fato produz nele, recorre ao fácil expediente da negação e torna-se
duplo ateu, primeiro porque não tem Deus, segundo, porque o nega. O exemplo de Adão
Voltemos ao extraordinário capitulo três de Gênesis: "E ouvindo a voz do Senhor
Deus, que passeava no jardim à tardinha, esconderam-se o homem e sua mulher da
presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim". E quando Adão explica a razão
desta atitude, diz: "Ouvi a tua voz no jardim e tive medo (...)" (3.8-10). Ter medo de
Deus e, como consequência, esconder-se dele são as primeiras consequências do pecado
e o começo da alienação de Deus. Antes o homem ia ao encontro de Deus; agora, foge
dele. Deus era amigo; agora o teme. Lacueva comenta esta passagem dizendo:
Ao rebelar-se contra o preceito divino, nossos primeiros pais ficaram separados
de Deus. Com efeito, por Gênesis 3.8, damo-nos conta de que, tão logo Adão e Eva
comeram da árvore proibida, fugiram da presença de Deus e se esconderam. Haviam
perdido a comunhão com Deus, que, como revela o texto sagrado, descia para caminhar
com eles pelo Éden à brisa do entardecer, a qual lhes anunciava a aproximação de Deus
(comp. com Ct 2.17). E como resultado final, a separação de Deus significou a morte (Gn 2.17): a morte do espirito, que é o pecado, o qual conduz à segunda morte ou morte eterna, e à morte orgânica, que é consequência obrigatória do pecado (Gn 3. 19), visto que o ser
humano é um sujeito único para a vida e para a morte. A experiência contemporânea
Francis Schaeffer, o pensador cristão contemporâneo, afirma que o homem está
perdido devido à sua separação de Deus, seu verdadeiro ponto de referência, por uma
culpabilidade moral concreta. O que a Bíblia nos ensina é que, com esta separação,
começou um nefasto circulo vicioso: o pecado separa o homem de Deus, mas por sua
vez esta separação deixa o homem indefeso diante da tentação e se abre a seus pés um
abismo de pecado que cada vez mais o separa de Deus. "Depois do pecado, a vontade
do homem já não está mais dirigida para Deus, mas em direção oposta a ele. O homem
se encontra a si mesmo fugindo de Deus em lugar de estar a buscá-lo (Gn 3.8; Is 65.1; SI
53.1-3; Rm 3.11): Há bastante tempo José Ortega Y Gasset escreveu um extenso artigo explicando o que ele cria ser a situação contemporânea do homem diante de Deus. O homem moderno estava se aproximando de Deus depois de um período de afastamento dele. Já era possível ao homem ver a distância o promontório da divindade, como um
marinheiro que vê a terra firme. E como um vigia, grita: "Terra à vista!", assim lhe
competiria gritar: "Deus à vista!" Lamentavelmente, não vemos ainda cumprida esta
esperança; ao contrário, o homem tem medo de Deus e se esconde dele.
14. O PECADO: ALIENAÇÃO DO IRMÃO
É outro caso de alienação que o pecado produz: o distanciamento, o conflito, os
ódios raciais, a luta de classes, as guerras "frias" e todo tipo de opressão. É claro que nos
documentos oficiais se usa outro tipo de linguagem. Fala-se de coisas como direitos
individuais, espaço vital de que as nações necessitam e defesa dos ideais de liberdade e
justiça. Mas a Palavra de Deus chama estas coisas de outra maneira: usa a velha palavra
que os homens quiseram banir de seu vocabulário: "pecado". Como no caso anterior,
vamos ver no relato de Gênesis, com Adão e seus descendentes, de que maneira o
pecado produziu o efeito de distanciar os homens até o ponto de os colocar uns contra
os outros. Como se dá o caso na Bíblia Sobre o relato da queda do homem e com referência a este tema, disse Lacueva: As três perguntas que Deus dirige a Adão em Gênesis 3.9-11 (a do versículo 13 é uma exclamação, mais propriamente que uma pergunta) são feitas com o fim de que o homem, após sua queda, reflita sobre o que acabara de fazer, se arrependa do seu pecado, e o confesse na presença de seu Criador. Mas Adão não se acusa, antes apresenta desculpas. Primeiro, desculpa-se dizendo que estava nu; mas vendo que esta desculpa não só de nada valeu, mas o acusava ainda com mais força, descarrega cruelmente toda a sua culpa do sucedido sobre o único próximo que tinha ao seu lado, que era, precisamente, sua própria mulher: "A mulher que me deste por companheira deu me da árvore, e eu comi" (v. 12). Como querendo insinuar: "Eu não tenho nenhuma culpa; ela é que tem; e também tu, por a teres me dado por companheira".
Assim começa, com o primeiro pecado, o primeiro conflito humano, a alienação
do homem com respeito a seu irmão ou outro ser humano.
Não se precisou esperar muito para acontecer outro exemplo desta alienação. É o
fratricídio de Caim. O Novo Testamento interpreta o fato assim: "Que nos amemos uns
aos outros, não sendo como Caim, que era do Maligno, e matou a seu irmão. E por que o
matou? Porque as suas obras eram más e as de seu irmão justas" (Uo 3.11,12); "Ai deles!
porque foram pelo caminho de Caim" (Jd 11). Comentando este texto, Bonnet e
Schroeder dizem: "Caminho da inveja e do ódio que os conduz ao homicídio espiritual
ou mesmo corporal de seus irmãos". A história prossegue com o violento Lameque, que se ufana de sua violência e de seu espirito de vingança (Gn 4.23,24), com a falta de sentimentos filiais de Cão (Gn 9.22,24,26), com as guerras imperialistas (Gn 14.4-7) com alianças e tudo. Precisaríamos prosseguir mencionando a história bíblica? Também o povo de Deus caiu neste pecado de alienação dos irmãos (Am 4.1), de que nem mesmo as mulheres, como vemos neste último texto, estavam isentas. As denúncias proféticas que encontramos na Palavra de Deus falam deste mal, que se estendeu sobre a humanidade como uma praga mortal. Que relação existe entre a alienação do próximo e a alienação com respeito a Deus? É que a alienação principal, da qual brotam todas as outras, é a alienação do homem com respeito a Deus. "Se não existe Deus, tudo é permitido", disse um personagem de Dostoievski, e é a explicação de tudo o que lemos na Palavra de Deus. A rebelião do homem contra Deus foi a comporta que se abriu dando passagem a todos os
males humanos. A experiência contemporânea Talvez os teólogos da libertação ou os teólogos políticos da Europa sejam muito esquemáticos e pouco amigos de distinguir matizes neste assunto. Não resta dúvida de que eles estão lidando com um dos problemas mais urgentes de nosso mundo, e tudo tem a ver com esta alienação do homem com respeito ao seu irmão, o próximo, e que é resultado direto de pecados concretos que afligem nossa sociedade, e que por sua vez vão fazendo mais dolorosa e profunda uma alienação que Deus não quer para o mundo.
15. O PECADO: ALIENAÇÃO DA NATUREZA
Como diz um autor contemporâneo, até recentemente não havia na moral cristã
uma preocupação ecológica, porque tampouco a humanidade em geral tem tido uma
clara consciência de que está cometendo abusos contra a natureza. Em 1962, o
naturalista Marston Bates afirmava que a ecologia bem poderia ser a ciência mais
importante, mas era a menos compreendida pelo público em geral.
O termo "ecologia", que está se tornando atual aos nossos olhos, procede do
grego oikos ("casa") e lógos ("ciência") e quer dizer "ciência da casa", desta casa que é
nosso planeta Terra, lugar da magnifica epopeia humana por muitos conceitos, e por
outros, como os que estamos considerando neste capítulo, lugar das maiores aberrações.
Dentro desta ecologia, que de modo geral estuda as relações entre os organismos e seu
ambiente, está a ecologia humana, que se ocupa de estudar os resultados dos avanços
da ciência para a saúde e para a vida do homem. O exemplo dos temores que existem
em todas as partes do mundo pelo uso da energia nuclear é bem concreto e familiar a
todos. Adão e o jardim do Éden Antes de seu pecado, devia lavrar e guardar o jardim (Gn 2.15), uma tarefa agradável e gratificante. Tratava-se, dissemos, de transformar toda a terra num jardim semelhante ao que Deus havia plantado (Gn 2.8,9). Este é o sentido do domínio que o homem deve exercer sobre a natureza, mas o pecado de Adão produziu uma consequência imprevista com um duplo aspecto. Adão foi expulso do Éden "para lavrar a terra, de que fora tomado" (Gn 3.23), e em segundo lugar a terra se lhe tornou hostil: "Maldita é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos; e comerás das ervas do campo. Do suor do teu rosto
comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e
ao pó tornarás" (Gn 3.17-19). Desta maneira, diz a revelação, pelo pecado de Adão, o
que devia ser uma experiência feliz tornou-se numa frustração.
Mencionamos mais uma passagem bíblica que nos mostra esta estranha relação
do homem com seu ambiente e especificamente com o pecado. Trata-se do pecado de
Caim e seu castigo: "Agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para da tua
mão receber o sangue de teu irmão. Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua
força; fugitivo e vagabundo serás na terra" (Gn 4.11,12). Coisa estranha! A terra se
transforma em vingadora do crime de Caim. Como lemos no comentário de Keil e
Delitzch: "Visto que a terra foi obrigada a beber sangue inocente» rebela-se contra o assassino, de modo que, quando a cultivar, lhe negará suas forças, de modo que o solo não produzirá frutos; exatamente como a terra de Canaã, da qual se diz que havia 'vomitado' os cananeus por causa de suas abominações (Lv 18.28)".
Entendemos que, nestes exemplos, a revelação está usando uma figura, mas,
perguntamos, que aponta esta figura? Sabemos que esta figura segue no Novo
Testamento com expressões como: "Porque sabemos que toda a criação, conjuntamente,
geme e está com dores de parto até agora; e não só ela, mas até nós, que temos as
primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, aguardando a nossa adoção, a
saber, a redenção do nosso corpo" (Rm 8.22,23). Agora, lendo o versículo anterior: "A
própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória
dos filhos de Deus" (v. 21); e este outro: "Nós, porém, segundo a sua promessa,
aguardamos novos céus e uma nova terra, nos quais habita a justiça" (2Pe 3.13).
Expressões contemporâneas da alienação do homem com respeito à natureza
Já dissemos algo na introdução deste tema e, por falta de espaço, não podemos
acrescentar muito mais. Poderíamos dizer, em conclusão, que o homem não tem usado
os recursos da terra; tem abusado deles. O homem sentiu-se, e continua sentindo-se,
mais amo e senhor da terra do que administrador ou mordomo da criação de Deus. O
resultado desta falsa perspectiva é o que preocupa os homens de ciência de hoje,
resultado que se expressa sob os seguintes nomes: contaminação ambiental;
esbanjamento dos recursos renováveis e dos não-rcnováveis, como é o caso do petróleo
e do carvão mineral; alterações climáticas em virtude da ação do homem; acúmulo de
lixo como resultado de técnicas industriais; e, recentemente, o mais grave de todos, até
agora, que é o resíduo do uso da energia nuclear. É um pecado de "lesa-humanidade" o
não se deter o homem a considerar o assunto com toda a seriedade.
16. O PECADO: ALIENAÇÃO DO HOMEM CONSIGO MESMO
Esta alienação do homem para consigo mesmo é o resultado das outras alienações.
O fato de ter rompido as relações com Deus, de achar-se constantemente em rivalidade
com os outros, e o de viver em um ambiente, pelo menos nas grandes cidades, cheio de
ruídos e contaminações, faz do homem um ser nervoso, complexado, deformado e com
diversos complexos de culpa. Sua vida deixa de ser um projeto desafiador que o faça
gostar da realização pessoal de metas alcançadas. Há, em muitos homens, uma angústia
vital que subtrai o sabor dos momentos que vive. A felicidade se encontra cada vez mais
distante e inacessível; a paz interior se converteu em uma utopia inalcançável; as
ameaças do futuro, cada vez mais incerto, vão acrescentando sua carga diária. Este ser
alienado de si mesmo é o resultado mais evidente do pecado. A alienação de si mesmo na Bíblia Eis a interpretação de Lacueva: Gênesis 3.7 nos informa que foram abertos os olhos de ambos, não porque antes tivessem sido cegos nem porque tivessem desconhecido o ato sexual (como imaginam alguns dos chamados Santos Pais); menos ainda, no sentido de que lhes havia prometido a serpente ("sereis como Deus"), mas como indicio de que haviam se tornado conscientes de seu pecado e do conflito que este representava com a vontade de Deus. Ao desobedecer a Deus, o ser humano tornou-se alienado, fora de si. Dessa maneira se entende melhor o profundo sentido da pergunta de Deus a Adão: "Onde
estás?" como se estivesse dizendo: "Estás fora de ti mesmo, não estando no lugar em que
devias estar segundo meu plano para ti". O ser humano perdeu, pelo pecado, a
integridade com a qual saíra das mãos de Deus, e agora se encontra dividido,
fragmentado, em uma série de afãs, anelos e aspirações que o pervertem (Ec 7.29) e
desencaminham (Is 53.6). Como aquele endemoninhado de Gadara pôde gritar:
"Legião é o meu nome, porque somos muitos" (Mc 5.9). Ao se alienar, o homem tornouse
um desconhecido para si próprio (Gn 3.7), como o é para Deus (Mt 25.12; Rm 7.15ss).
Esta citação de Lacueva parece-nos exata e oportuna. A expressão dessa alienação
é o que chamamos "consciência" e que marca a distância irrecuperável entre o que o
homem quer ser e o que na realidade é (Rm 7.15); que pode ter expressões felizes, como
no caso de Paulo e no caso de Davi (SI 51.3-5), ou inteiramente trágicas, como no caso de
Judas (Mt 27.3-8). A consciência neste caso é o resultado desta objetivação de si mesmo
que faz o homem e que lhe permite avaliar seu próprio projeto de vida. Quando a
consciência é esclarecida pelo Espírito Santo, não deixa outra alternativa senão a de
confissão e súplica: "Miserável homem que sou! quem me livrará do corpo desta
morte?" (Rm 7.24). Esta possibilidade, verdadeira para o homem, de não estar à altura
de seus próprios ideais é, segundo Kierkegaard, a fonte que alimenta a angústia vital.
A alienação na experiência contemporânea É uma lástima que o existencialismo esteja passando de moda ou já tenha, de fato, passado de moda, porque era uma maneira legitima de ver o homem. Não obstante nenhuma filosofia ser cristã e também ser verdade que dentro dos seus acertos existem graves erros, o existencialismo era uma maneira de barrar no homem esse otimismo que lhe havia conferido a filosofia a partir de Kant. Percebe-se, então, que para o homem alcançar consciência da alienação consigo mesmo, que constitui seu pecado, temos de depender pura e exclusivamente da obra do Espirito Santo, cuja função principal é convencer o mundo do pecado (Jo 16.8). Conclusão :
O diabo quer que pequemos, afirmando que não estamos crescendo na presença de Deus ou estamos falhando. Verdadeiro crescimento contra o pecado é cooperar como Espírito Santo batalhando. QUE DEUS VOS ABENÇOE !
Bibliografia
- BÍBLIA SAGRADA, MAIS DE UMA VERSÃO.
- URETA, Floreal – Elementos de Teologia Cristã, Rio de Janeiro, Ed. JUERP,
1995.
- LANGSTON, A . B. – Esboço de Teologia Sistemática, 3ª edição, Rio de Janeiro,
Ed. JUERP, 1999.
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